top of page

UrbanorâmicasProjeto

Urbanorâmicas é uma proposição poética que pretende apresentar a paisagem urbana redimensionada em uma série de quadros, pinturas-composições construídas com materiais de diversas qualidades encontrados nas ruas das cidades. Neste caso, de uma cidade em especial: Vitória ES – lugar onde vivo e trabalho.



Tentarei abordar brevemente minha produção antes de melhor apresentar o projeto. Meu percurso na arte nunca obedeceu uma linha reta. Ele acontece mais como uma espiral que sempre retoma assuntos e questões que foram apresentadas em trabalhos anteriores. Comecei minha carreira profissional em circuito com a exposição Boi Borém [2004] na extinta galeria do Palácio do Café, onde apresentei minha primeira série de trabalhos em pintura. De lá pra cá me interessei cada vez mais pelas questões limítrofes da arte e por uma noção de indefinição da obra, sempre construindo minha poética no intervalo entre uma linguagem artística e outra(s), na maioria das vezes posicionando minha obra num abismo e calcando sua substância sob o sinal do hífen: desenho-arquitetura, pintura-parede, intervenção-urbana-site-specific. 

Dessa maneira, Urbanorâmicas é mais uma vez essa busca por uma essência lacunar no fazer artístico e se pretende como uma ponte entre aquilo que convencionamos chamar de pintura e o interesse pela intervenção no sítio urbano, a arquitetura e a escultura | instalação.

A escolha da cidade de Vitória, além de ser circunstancialmente geográfica, se dá também pelo fato de as características das cidades se repetirem em forma modular sobre todo o globo, as cidades se mostram como um  “cubo cinza” - em alusão ao termo cubo branco - referente aos locais de exposições de arte cunhado na modernidade. A mesma pulsão encontrada em outras cidades está presente aqui, tornando desnecessário o deslocamento para grandes centros em vista de viabilizar o projeto.  Numa outra ponta, sinto que nossa produção de arte e cultura não deve nada à dos grandes centros e definitivamente Urbanorâmicas é uma proposta capaz de tornar isto evidente.

Embora Vitória ainda não possua um sistema de arte bem estruturado em sua cadeia produtiva,  as características universais da urbe como fluxos, fragmentação, interfaces, são flagrantes nesta cidade que atravessa momentos de profundas transformações de ordem econômica. Tal desenvolvimento produz fenômenos  como o aumento do poder de consumo  e da atividade da construção civil, observados nos canteiros de grandes obras públicas e privadas, ou na especulação imobiliária. Estes vestígios do progresso são verificados no encurtamento do horizonte onde surgem novos prédios, nas caçambas repletas de materiais de demolição e em locais de descarte de toda sorte de utensílios domésticos. A transformação é constante e já há algum tempo venho observando a potência poética dessa situação - o artista vive no mundo e vê esse mesmo mundo transfigurado em arte.

Esses materiais presentes nas ruas, ali estão numa espécie de fronteira, num limbo, esperando por algum destino, muitas vezes sob o signo do fim: cumpriram suas tarefas no mundo e agora serão substituídos por outras coisas, restando a eles serem descartados. Mas suas qualidades inerentes mostram-se ao ponto de serem percebidas visualmente suas marcas e rugas, o tempo e a agressividade do processo. Para mim elas rompem com a realidade banal em estilhaços e formam-se buracos  através dos quais posso experimentar a potência da obra.

Assim aparecem melhor sua materialidade, texturas, sua opacidade ou transparência, as dimensões em escalas variadas, seu peso, volumes e densidades, suas heterogeneidade e universalidade e  aparecem, sobretudo, como a possibilidade de uma  reflexão que será potencializada pelo plano pictórico. Quais eram as origens imediatamente anteriores desses materiais? Apesar de presentes nas ruas, no mundo exterior, esses objetos e coisas são restos de um pertencimento aos espaços íntimos de arquiteturas, públicas e privadas: comungam do nosso convívio e identificam-se como nossos pares.

Sugiro que esta proposta dê a esses materiais a possibilidade de uma redenção: ironicamente, quando tocados pelo campo da arte seus destinos serão revertidos e novamente poderão habitar um lugar privilegiado, não por ganharem nova utilidade, mas por provocarem o pensamento.

Os quadros serão todos produzidos seguindo uma orientação horizontal: paisagens. Contudo a representação da paisagem da cidade se realiza a partir da própria natureza dos materiais que a constroem noite e dia, da natureza de suas entranhas.

Os quadros seriam como radiografias panorâmicas desse ser-cidade que construímos para habitar.





Abril de 2011.
 

Gabriel Borem.

bottom of page